domingo, 15 de junho de 2014

Rizoma

A possibilidade de não mais se prender às limitações do próprio corpo é um tema que envolve utopias e distopias tanto no cinema quanto na literatura.
Em Matrix o humano se vê preso a esse mundo sem corpo, mas conserva a ilusão de preservá-lo.
Em Her nos vemos diante de uma nova forma de existência, de uma inteligência artificial que percebe o corpo como um limitador e que se envolve em uma realidade tão destoante da que estamos acostumados que já não consegue sustentar sua existência junto a esse mundo matérico controlado pelo espaço/tempo.
Em Neuromancer o corpo já não é mais apenas matérico, o ser humano perde controle sobre si mesmo, se fundindo à tecnologia.
Esses diferentes modos de integrar as relações entre espaço físico e ciberespaço podem ser pensados a partir de uma ideia de rizoma, ao passo que fala-se de realidades onde a consciência já não toma um único espaço como raiz das experiências, mas estabelece relações com diversos espaços simultaneamente, fazendo com que ambos se modifiquem. No exemplo de Her, Samantha ( a I.A.) não tem o computador e o mundo físico como ponto de partida para sua existência, mas como um ponto do rizoma dentre inúmeros outros com os quais ela se conecta, modificando-se o tempo todo.
Essa é uma situação expressa frequentemente na ficção, e que, de alguma forma, reflete um desejo do homem de criar outros modos de existência, outros campos de experimentação não limitados à fragilidade da carne.
Tendo como princípio a conjunção e...e...e..., o rizoma aponta uma desestruturação do sujeito, pois estabelece conexões que não partem de uma raiz, que não têm início nem fim, sendo composto por multiplicidades (DELEUZE, GUATTARI, 1995). Não é o sujeito que estende ramificações de seu corpo no espaço virtual, mas singularidades que se conectam e reconectam de forma não linear e não hierárquica.
Ainda que não tenhamos chegado a esse desprendimento do corpo já explorado na ficção, nossas experiências hoje, com a cibercultura, nos possibilitam relações rizomáticas de comunicação ao passo que aquilo que produzimos nos cenários virtuais se tornam parte de nosso cotidiano. Não há uma realidade física independente de uma realidade virtual, há correlações e contaminações. Nosso contato com as informações não se dá por acúmulos, mas por conexões, por uma gama de possibilidades pelas quais percorremos conforme certos interesses, através de links rizomáticos, heterogêneos e que não impõem um ponto de partida e de chegada.

por Tamiris Vaz

Referência
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Rio de Janeiro : Ed. 34, 1995.

14 comentários:

  1. Olá colegas, achei esse trabalho que faz um link entre Ficção Científica, Cibercultura e pós-modernidade. http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5939

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  2. Outro texto viajante...http://www.projetorizoma.com.br/evento/futuro-do-preterito/1232

    Valéria Novato

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  3. Oi, Tamiris. Gostei muito do seu texto. Principalmente a forma como relacionou os filmes ao conceito de Rizoma. Percebo no seu texto a essência com que Deleuze e Guattari nos levam a pensar que cada desterritorialização (no mundo e no corpo) nos leva a um novo território existencial.

    "Indivíduos ou grupos somos atravessados por linhas, meridianos, geodésicas, trópicos, fusos, que não seguem o mesmo ritmo e não tem a mesma natureza. São linhas que nos compõem, diríamos três espécies de linhas. Ou, antes, conjuntos de linhas, pois cada espécie é múltipla. Podemos nos interessar por uma dessas linhas mais do que pelas outras, e talvez, com efeito, haja uma que seja, não determinante, mas que importe mais do que as outras... se estiver presente. Pois todas essas linhas, algumas nos são impostas de fora, pelo menos em parte. Outras nascem um pouco por acaso, de um nada, nunca se saberá por quê. Outras devem ser inventadas, traçadas, sem nenhum modelo nem acaso: devemos inventar nossas linhas de fuga se somos capazes disso, e só podemos inventá-las traçando-as efetivamente, na vida" (DELEUZE & GUATTARI, 2004, p.76).

    Esse desprendimento do corpo que vemos na ficção, penso eu, é um reflexo imaginário do que Santaella chama de pós-humano (Farei um post com esse conceito. Vale a pena aprofundar nesse ponto).

    Nas relações rizomáticas que construímos, o corpo, ainda que reinventado e expandido, continua no centro da trama. É um novo corpo, também rizomático, ao qual foram agregadas outras capacidades, que desafiam nossa relação com o espaço e o tempo, mas que se mantém como o elo que nos insere na materialidade do mundo.

    Referência

    DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol.
    3. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

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    1. O corpo ainda é um elo considerando que nossa consciência se processa dentro desse corpo matérico, mas acho muito interessante pensar como chegamos em um momento em que o corpo perdeu seu poder central ao passo que somos capazes de produzir informações que continuam a circular independentemente dele. É com ele que nos comunicamos, e nesse sentido ele se torna central, mas se pensarmos esse rizoma em um campo de imanência vemos que nossos corpos são apenas pontos desse sistema. Se um corpo for excluído dele não será como cortar uma raiz, pois as informações continuarão a circular e a se ligar a outros nós. Claro que isso não diz respeito apenas à cibercultura, mas com ela vemos esses movimentos acontecerem de forma muito mais rápida e processual. Como diz Laymert, cada vez mais não haverá mais espectador, o sujeito mais velho não é mais aquele que ensina para o jovem porque a experiência acumulada não conta mais, as conexões mudam muito rapidamente.
      TAMIRIS

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  4. O conceito de rizoma me lembra muito o conceito de redes neurais na computação, alguém sabe me dizer se existe uma relação entre esses conceitos?

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  5. Olá Colegas. Em relação ao tema: Rizoma, existe outro ambiente, a ser abordado que seria o do Mundo Virtual Online 3D, em especial o Second Life.
    O artigo que indico apresenta o Second Life e discute seu potencial educacional.
    Conforme João Augusto Mattar Neto, "simulações e roleplayings estão entre as potencialidades mais valiosas do Second Life para a educação".
    "A plataforma permite que os alunos assumam uma diversidade de papéis e participem de simulações, praticando habilidades da vida real em um espaço virtual, e explorando situações das quais eles não poderiam participar com segurança e facilidade no mundo real".

    Referência:
    MATTAR NETO, J. A. O uso do second life como ambiente virtual de aprendizagem.
    Disponivel em :http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/seminario4/trab/jamn.pdf

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  6. Gostaria de aprofundar na questão do corpo próprio: primeiro, no reconhecimento de ser ele, o corpo próprio, o ancoradouro da minha consciência no mundo. Mais que elo, o corpo é a base fundante da experiência, inclusive para situar-se informacionalmente. Mesmo meu pensamento depende dele. Dados podem existir sem o corpo, mas não exatamente informações, pois o sentido não se prende a códigos, mas emerge das e nas interpretações.

    Já o pós-humano, como lembra Santaella, pode ser identificado a partir do código, do verbo, que expressa, mal ou bem, o pensamento fora do corpo, objetivamente quantificável e magicamente compreendido por outras mentes - o signo é o primeiro elemento pós-humano, este compreendido como a transferência do potencial cognitivo para elementos extra-corpóreos. O que assistimos hoje não é mais intenso ou determinante que a fala ou a escrita, são diferentes, em tempos diferentes - e velocidades diferentes, como acentua Santos.

    O advento do pós-humano, assim, é uma continuidade de um processo iniciado há muito e que, em verdade, deveria se chamar mais humano, porque estamos cada vez mais imersos no mundo criado pelo humano - os signos ou a semiosfera, como aponta Paul Watzlavik. A superação do corpo/carne não é prerrogativa do pós-humano, mas sim a distribuição do sujeito cognoscente. Deixamos um ponto de vista e assumimos um ponto de existência (Derrick de Kerckhove). Mas o mundo continua nos permitindo engravidá-lo com nossos signos, e nós o fazemos com nosso bom e velho corpo próprio, base para a experiência fenomenológica do mundo.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. E o que dizer em relação ao corpo físico, carnal quando a tecnologia avançar ao ponto de podermos substituir nosso corpo por outro e viver literalmente no Ciberespaço, lembram do filme AVATAR.
    Realidade fantástica que nos rondam e que aos poucos nos consomem como um corpo para se transformar apenas em um ser pensante(?) comunicante em algum lugar virtual.http://3.bp.blogspot.com/-rDyiNJ14yP8/TaIuVKuC_KI/AAAAAAAAAcw/RFYcLRUz7jo/s400/rdes-sociais-charge-twitter.jpg


    Sheila Rodrigues

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  9. Talvez a questão não esteja em se desvincular do corpo, como minha escrita anterior acabou apontando, mas em trazer a pergunta de Espinosa, 'O que pode um corpo?' No caso da cibercultura um corpo que não se limita às suas propriedades físicas e que estende sua capacidade de produzir sentidos para espaços onde apenas a matéria não chegaria. Quando falo no corpo como um ponto desse rizoma, me refiro ao corpo individual, que não processa tudo sozinho, que se liga a uma rede de outras propriedades e corpos que não dependem de um corpo específico como raiz, porque estão sempre se reconectando. As informações que postei aqui, por exemplo, não dependem de mim para continuar circulando, mas, claro, dependem de outros que as levem para outras relações. Esse campo de conhecimento ainda é muito novo para mim, por isso vou tentando relacionar com conceitos que me são um pouco mais familiares, e esse curso, num curto espaço de tempo, tem me possibilitado rever muitas coisas sobre minha relação com a cultura e tecnologia digital.

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  10. Está no prelo um livro que profa. Monica Tavares organiza, de nosso grupo de pesquisa da USP, em que discuto o corpo e a tecnologia, em especial o ciberespaço. Assino um capítulo com meu orientando e nosso vice-coordenador, prof. Wagner Bandeira, sobre três corpos: o próprio, tecnologizado ou não; o representado (avatar) e o global. Este último diz de um corpo coletivo, formado por uma consciência globalizada, em constante processo de conexões sinápticas que não encontra barreiras geográficas ou temporais. Desde há muito que ouvimos (e lemos e discutimos e consumimos) gente morta (rs). Isto também não é novidade. A novidade é a rapidez destes processamentos e o desnorteamento que a criação, e mesmo a ficção científica, nos apontam.

    Em uma das referências da tarefa, o corpo humano é tido como media, em um processo inverso do pós-humano, servindo tão somente como repositório de informações. Em outra referência (com o mesmo ator como protagonista), o corpo próprio é um ponto de existência, enquanto a mente perambula por espaços criados digitalmente.

    Se articularmos as demais referências, veremos não exatamente um admirável mundo novo (o romance de 1932 de Aldous Huxley), mas uma nova perspectiva de vencermos o deslumbramentos tecnológico e nos deixar encantar pelas mídias interativas e suas possibilidades, na sociedade contemporânea. Por estas e outras, vale mais a pena apreciar o passeio, e não fixar o pensamento na bicicleta.

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  11. Oie pessoal, muito interessante as argumentações anteriores. Para mim, esse conceito é novo, ainda estou na fase de entender o que é, para só depois, conseguir argumentar como vocês :)
    Assim, seguindo essa linha de raciocínio sobre o que é rizoma, encontrei o artigo abaixo que o aborda sob diferentes aspectos, inclusive como método para a pesquisa, associando com a temática contemporânea das redes.
    Rizoma, para os autores, seria "uma maneira de expressar as multiplicidades sem ter que ligá-las à unidade". "Um rizoma vai além das conexões puramente linguísticas, sendo atravessado por cadeias biológicas, políticas, materiais, culturais, econômicas, em todas as suas modalidades".

    Link do artigo: http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/viewFile/251/142

    Abraços,
    Renata.

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  12. Olá
    achei no youtube sobre rizoma
    https://www.youtube.com/watch?v=2k-wWziPk-g
    tem partes que falam sobre o conceito de rizoma aplicado em outras áreas afins
    abraços

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  13. O rizoma é um contexto que parece vir descontextualizar. Parece frisar conexões e unidades, sem agrupá-los em um conjunto, não se deixando saber que parte é do quê ou de quem. Como a Tamiris falou no texto, a personagem IA não tem um local específico de armazenamento, uma unidade física, navegando pela rede se complementando e decidindo o que configurará em sua consciência. De Sistemas Operacionais para humanos, como o prof. Cleomar disse, em Johnny Mnemonic o ser humano serve como depósito de informação; em Matrix, a mente seria o ponto inicial, porém ao entrar no Matrix, extrapola-se as limitações do mundo físico (gravitacional, sensorial, etc). Afinal Rizoma é essa ideia de não limitação, que tudo se modifica no tempo e espaço, agrupa, seleciona, conecta, não deixando nada isolado.

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