terça-feira, 17 de junho de 2014

Neuromancer

    Neuromancer é uma literatura de ficção escrita por Willian Gibson. É uma trama que versa acerca de um hacker chamado Case. Este roubou seus patrões e por isto foi contaminado por uma toxina e conseqüentemente não podendo aceder a Matrix. Esta Matrix(ciberespaço) é o meio pelo qual se conectam para navegar e buscar conhecimento, adquirir coisas, arquitetar estratégias, etc. Case torna-se um exilado de Matrix, tentando a cura em Chiba City, uma cidade com muita diversidade de tipos humanos e pós-humanos. A trama destaca cidades reais como Istambul e Tóquio ou fictícias como Zion. Com o desenrolar da trama Case Conhece Molly Millions que se destaca pela sensualidade e pelas modificações corporais, caracterizando o hibridismo de seu corpo. Conhece também Armitage que lhe faz uma proposta que consistia em colaborar com seus planos secretos e o pagamento seria o retorno de suas atividades no ciberespaço. Case percebe posteriormente que estavam lidando com IA’s (inteligência Artificial), personalidades virtuais que comandam grandes operações. O eixo da trama transforma-se em conflito entre humano e inteligências artificiais tendo como adjacências de fundo as drogas, crimes, sexo e outras barganhas de um mundo mundano.
     Esta obra tornou-se inovadora, pois adiantou conceitos como ciberespaço e movimentou reflexões acerca do binômio, ficção e ciência, além da discussão acerca do pós-humano. Vejamos então estes eixos condutores destacados. Iniciemos pelo conceito de ciberespaço caracterizado por uma interconexão de computadores em uma região de mundos virtuais que se estabelece em rede, pois abriga um universo amplo de informações e permite o acesso facilitado em rede a estas. E a cibercultura é a cultura deste espaço de comunicação A cibercultura abriga uma inteligência coletiva, agilizando uma sociedade do conhecimento caracterizando saberes em tempo real. É um conjunto de técnicas, materiais, intelectuais, de práticas, comportamento e valores. A alimentação constante de dados por seus usuários permite a renovação constante e permanente. Este espaço está hiperconectado, na verdade são múltiplos lugares em um grande espaço que desafiam o sentido de localização, permanência e duração. São povoados por mentes acopladas a inteligências fluídas. Neste ensejo a mobilidade tanto no sentido da portabilidade quando do acesso à informação, mudam a relação entre a informação e o mundo. Este é o universo real do ciberespaço! No livro e na época em que surgiu o termo parecia distante e impossível. Gibson foi um visionário antecipando a realidade.
    Hoje o hibridismo midiático expandiu-se para se referir tanto a convergência das mídias no mundo digital quanto à mistura de linguagens na hipermídia, a junção do hipertexto com a multimídia que define esta linguagem que é própria das redes em que o texto, som, imagens, sinais e símbolos convivem em uma mesma dinâmica, complementam-se para criação de sentido. Enfim, o ciberespaço é uma “metáfora” sugestiva para abrigar um universo vivo em constante evolução de redes e a linguagem comum a este é a hipermídia. Esta tem a definição de compor-se pelo hipertexto e a multimídia. Lembrando que o hipertexto é um texto não linear composto por fragmentos textuais conectados por meio de links. Multimídia, constituem-se da mistura de sons, ruídos, imagens fixas, animadas, e textos. Juntas a multimídia e o hipertexto transforma-se em hipermídia, campo intersemiótico próprio das redes. 
    Interessante lembrar que no livro Neuromancer, Case se sente incomodado, deprimido pela falta de acesso a Matrix (rede). Hoje também ocorre o mesmo, por trás da aparente imobilidade corporal do usuário do sistema, existem vários estímulos sensoriais que provocam imersão. Observamos um intenso agenciamento no acesso a rede, na navegação e consequentemente atividades cognitivas dinâmicas. Para Castells (2000) a sociedade das redes caracteriza-se por espaços de fluxo, compostas por digitais tecnologias e por redes físicas. Essas redes dão suportes material ao ciberespaço, este consequentemente é parte integrante de um espaço de fluxo. 
  No que tange ao pós-humano existe na obra uma vinculação homem/máquina. Nesta literatura as personagens têm alguma modificação genética, mental ou robótica. A título de exemplo Molly tem lentes que ampliam a visão e lâminas sob as unhas. A ficção demonstra um cenário de tecnologia e avanço científico bastante parecido com o que vivemos hodiernamente. A relação com as máquinas e tecnologias diversas se conforma com as próteses, avanços da nanotecnologia, entre outras. Segundo Santaella (2007) este conceito, o do pós-humano. 

(...)encontra-se no hibridismo com algo maquínico-infórmático que estende o humano para além de si. Assim, a condição pós-humana diz respeito a condição  à natureza da virtualidade, a genética, a vida, à inorgânica, aos ciborgues, a inteligência distribuída, incorporando biologia, engenharia e sistemas de informação. Por isso mesmo, os significados mais evidentes que são costumeiramente vinculados a expressão “pós-humano”, associam-se as inquietações acerca do destino biônico do campo humano.(SANTAELLA, 2007,p. 38).    
     
   Muito mais que isso, hoje vivemos em uma era de proliferação tecnológica que expandem nossa visão, audição, locomoção e sentidos. Convivemos com dispositivos comunicacionais fônicos e imagéticos, filmadoras, máquinas fotográficas, computadores etc que na visão de Santaella (2009) são como próteses que ampliam os sentidos de nossos corpo, “produzem e processam sinais que aumentam as capacidades cognitivas e de memória de nossos cérebros, intensificando e expandindo nossa capacidade de interagir”. (SANTAELLA, 2009, p. 507). Possuímos, por exemplo, satélites que localizam situações, lugares, condições em um olho externo que tudo vê. A mesma autora discute simulações por meio de dispositivos computacionais desenvolvidos pela biotecnologia, bioengenharia, bionanotecnologia entre outros.
Qualquer coisa pode ser simulada pelo computador, não somente muitas de nossas operações cerebrais, mas também nosso sistema hormonal, ruídos e as redundâncias dos fenômenos biológicos. Até mesmo informações táteis, térmicas, olfativas, sinestésicas e músculo-sensoriais podem ser simuladas. (SANTAELLA, 2009, p. 508).

    Nesta conjuntura não existe lógica cartesiana e podemos nos remeter ao rizoma. A idéia de rizoma é de Deleuze e Guateri e brotou da composição de algumas plantas das quais os brotos podem ramificar-se, assim o rizoma tanto pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independente de sua localização na figura da planta. Penso que este conceito encaixa-se para exemplificar um sistema epistemológico que em nosso caso é a cibercultura e o ciberespaço. Este modelo epistemológico analisa a formação a organização e desenvolvimento do ciberespaço e não tem que necessariamente seguir linhas de subordinação hieráquica, qualquer componente pode sobrevir a qualquer outro.
    Para Levy (1996) o ciberespaço não se caracteriza por um espaço partindo do centro e sim por muitos caminhos, é o interativo e coletivo. Portanto, um espaço rizomático "O rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada até suas concreções em bulbos e tubérculos." (DELEUZE, GUATTARI, 1995, p.15). Sendo assim o ciberespaço é um lugar de conexão, heterogeneidade, multiplicidade e de rupturas. O mesmo se aplica a ciência e ao pós-humano discutido aqui.

por Shirley Elias


Referências Bibliográficas 

DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs- Capitalismo e esquizofrenia. Vol. 5. Tradução de Peter Pál Peabarb. Rio de Janeiro, Editora 34.

GIBSON, William. Neuromancer. Editora Alehp, 2008.

LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 1996.

SANTAELLA, Lúcia. A Semiose da Arte das mídias, Ciência e Tecnologia, in:DOMINGUES, Diana.(org.). Arte, ciência e tecnologia: passado, presente e desafios. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

___. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário